Contribuição para a crítica do cidadanismo
Se a lógica da falsa consciência não pode reconhecer-se
veridicamente a si própria, a procura da verdade crítica sobre o espetáculo
deve ser também uma crítica verdadeira. É-lhe praticamente necessário lutar
entre os inimigos irreconciliáveis do espetáculo e admitir estar ausente lá
onde eles estão ausentes. São as leis do pensamento dominante, o ponto de vista
exclusivo da atualidade, que reconhece a vontade abstrata da eficácia imediata,
quando ela se lança nos compromissos do reformismo ou da ação comum dos
resquícios pseudorrevolucionários. Aí, o delírio reconstitui-se na própria
posição que pretende combatê-lo. Pelo contrário, a crítica que vai para além do
espetáculo deve saber esperar.” Guy Debord, Sociedade do Espetáculo.
As teses apresentadas a seguir não pretendem ser a última palavra sobre
o tema que tratam. Dão, antes, um conjunto de pistas que nalguns casos poderão
ser seguidas, aprofundadas e, noutros, simplesmente abandonadas. Se
conseguirmos fornecer alguns pontos de referência (históricos etc.) a uma
crítica que continua à procura de si mesma alcançaremos plenamente o nosso fim.
De igual forma pensamos que nem este texto nem nenhum outro poderá,
apenas pela força da teoria, derrubar o cidadanismo. A verdadeira crítica do
cidadanismo não se fará sobre o papel, mas será o resultado de um movimento
social que deverá conter forçosamente esta crítica o que não será, obviamente,
o seu único mérito. A ordem social na sua totalidade será posta em questão
através do cidadanismo, precisamente porque o contém.
O momento parece-nos adequado para iniciar esta crítica. Se o
cidadanismo, no seu começo, conseguiu manter uma certa confusão em redor
daquilo que realmente era, hoje em dia, contudo, vê-se obrigado pelo seu
próprio êxito a avançar cada vez mais de cara descoberta e a mais ou menos
curto prazo deverá mostrar o seu verdadeiro rosto. Este texto trata de
antecipar este desmascaramento, para que pelo menos não nos apanhe
desprevenidos e saibamos reagir de forma apropriada.
I- Definição prévia
Limitar-nos-emos a dar uma definição introdutória do cidadanismo, ou
seja, uma definição que se centrará apenas no que é mais evidente. O objetivo
deste texto será começar a defini-lo de maneira mais precisa.
Por cidadanismo entendemos em princípio uma ideologia cujos traços
principais são:
- a crença de que a democracia é capaz de se opor ao capitalismo
- o projeto de reforçar o Estado (ou os Estados) para pôr em marcha esta política
- os cidadãos como base ativa desta política.
A finalidade expressa do cidadanismo é humanizar o capitalismo, torná-lo
mais justo, proporcionar-lhe, de alguma forma, um suplemento de alma. A luta de
classes é substituída aqui pela participação política dos cidadãos, que não só
devem eleger os seus representantes como também atuar constantemente para
fazerem pressão sobre eles, com o fim de aplicarem aquilo para que foram
eleitos. Naturalmente os cidadãos não devem em caso algum substituir os poderes
públicos. Podem, de vez em quando, praticar aquilo a que Ignacio Ramonet chamou
“desobediência cívica” (e não “civil”, termo que recorda com incomodidade
excessiva a “guerra civil”), para obrigarem os poderes públicos a mudar de
política.
O estatuto jurídico de “cidadão”, entendido simplesmente como dependente
da jurisdição de um Estado, adquire um conteúdo positivo, até mesmo ofensivo.
Enquanto adjetivo, “cidadão” descreve em geral tudo o que é bom e generoso,
aplicado e consciente das suas responsabilidades e de forma mais geral, como se
dizia antes, “social”. É neste sentido que podemos falar de “empreendimento
cidadão”, de “debate cidadão”, de “cinema cidadão” etc.
Esta ideologia manifesta-se através de uma profusão de associações, de
sindicatos, de órgãos de imprensa e de partidos políticos. Em França temos
associações como a ATTAC, os amigos do “Le Monde Diplomatique”,
AC! (atuar juntos contra o desemprego), Droit au Logement (direito
a abrigo), APOC (objetores de consciência), La Ligue des Droits de
l’Homme (liga dos direitos humanos), a rede Sortir du Nucléaire (Sair do nuclear), etc.… Vale
a pena salientar que a maioria das pessoas que militam no seio deste movimento
fazem muitas vezes parte de várias associações ao mesmo tempo. No plano
sindical temos a CGT (vinculada ao Partido Comunista Francês), a SUD (fundada
por trotskistas), a Confédération Paysanne,
a UNEF (União Nacional dos Estudantes de França) etc. Quanto aos partidos
políticos estão representados pelos partidos trotskistas e pelos Verdes. No
entanto, os partidos políticos têm um estatuto distinto, mas deixaremos esta
questão para mais tarde. Na extrema esquerda do cidadanismo podemos incluir a
Fédération Anarchiste, a CNT e os anarquistas antifascistas, que na maioria dos
casos andam a reboque dos movimentos cidadanistas para acrescentarem o seu grão
de areia libertário, mas que se encontram de fato neste mesmo terreno.
À escala mundial temos movimentos como o Greenpeace, etc. e todos
aqueles sindicatos, associações, lobbys terceiro-mundistas,
etc. que se reuniram em Seattle.
Seria aborrecido dar aqui uma lista completa – o importante é que todos
estes grupos se encontram ideologicamente no mesmo terreno, com variantes
locais. O cidadanismo é agora um movimento mundial que repousa sobre uma
ideologia comum. De Seattle a Belgrado, do Equador a Chiapas, assistimos ao
auge do dito movimento e trata-se agora, tanto para ele como para nós, de saber
que caminho empreenderá e até onde pode chegar.
II- Premissas e fundamentos
As raízes do cidadanismo devem procurar-se na dissolução do velho
movimento operário. As causas desta dissolução encontram-se tanto na integração
da velha comunidade operária como no fracasso manifesto do seu projeto
histórico, que se manifestou sob formas extremamente diversas (digamos, do
marxismo-leninismo aos conselhistas). Este projeto apelava, nas suas diversas
manifestações, a que o proletariado retomasse o modo de produção capitalista,
modo de produção de que é filho e por conseguinte herdeiro. O crescimento das
forças produtivas, nesta visão do mundo, também era a marcha para a revolução,
o movimento real através do qual o proletariado se constituía como futura
classe dominante (a ditadura do proletariado), dominação que conduzia
posteriormente (após uma problemática “fase de transição”) ao comunismo. O
fracasso real deste projeto teve lugar durante os anos vinte e em 1936-38 em
Espanha. O movimento internacional dos anos 60 (1968) tem sido com frequência
considerado “o segundo assalto proletário contra a sociedade de classes”,
depois daquele que teve lugar na primeira metade do século vinte.
Com a crise e o início da globalização na sua forma moderna, os anos 70
e depois os anos 80 marcam o ocaso e o desaparecimento deste projeto histórico.
Esta globalização caracteriza-se pela crescente automatização, logo pelo
desemprego em massa e pela deslocalização produtiva para os países mais pobres,
que expulsou das fábricas o velho proletariado industrial dos países mais
desenvolvidos. Observa-se, aqui, uma tendência empresarial para se “desfazer”,
pelo menos formalmente, duma boa parte do setor produtivo para o relegar à
subcontratação, para idealmente apenas se ocupar de marketing e de especulação.
É o que os cidadanistas chamam a “financeirização do capital”. Uma empresa como
a Coca-Cola não possui atualmente, de forma direta, praticamente nenhuma
unidade de produção e contenta-se com a “gestão da marca”, com a frutificação
do seu capital bolsista e com o “reinvestimento” através da compra dos
concorrentes menores que anteriormente já havia forçado à deslocalização, etc.
Há um duplo movimento de concentração do capital e de fragmentação da produção.
Um carro pode ser composto por para-choques fabricados no México, por
componentes eletrônicos de Taiwan sendo o conjunto montado na Alemanha enquanto
os lucros circulam por Wall Street.
Quanto aos Estados, acompanham este processo de globalização
desfazendo-se do setor público herdado da economia de guerra
(desnacionalização), “flexibilizando” e reduzindo tanto quanto possível o custo
do trabalho. Isto teve como resultado, em França, a lei das 35 horas que o
movimento cidadanista – à esquerda e à direita, e tanto nas suas manifestações
oficiais como não oficiais- tanto reclamou; o movimento de desempregados de
1998 e o PARE (Plano de ajuda para o regresso ao trabalho).
A chegada da esquerda ao poder em 1981 e o movimento de estudantes e de
ferroviários em 1986, são pontos de referência que nos permitem situar o
progresso desta dissolução e a substituição do velho movimento operário pelo
cidadanismo no quadro da globalização.
O movimento de 1968, em França como no resto do mundo foi com efeito “o
último assalto contra a sociedade de classes”. O seu fracasso marca a
liquidação histórica daquilo que até esse momento foi o sonho da ascensão
histórica do proletariado como proletariado, ou seja, como classe do trabalho.
A autogestão e os conselhos operários foram o limite mais extremo deste
movimento. Não nos arrependemos. Foi também toda uma contestação social muito
mais ampla e multiforme que foi liquidada quando a pesada chapa de chumbo dos
anos oitenta se abateu sobre o mundo.
Apesar de ainda se ouvir nas manifestações o slogan “é tudo nosso, nada
é deles” isto é tal como sempre foi, exatamente contrário à realidade.
Obviamente faz referência a uma ilusória “repartição da riqueza” (e de que
riquezas podemos falar hoje?), mas provém diretamente do velho movimento
operário, que pretendia gerir ele mesmo o mundo capitalista. Nesta frase
vislumbra-se um ressurgir, uma continuidade e uma tergiversação dos ideais do
velho movimento operário (evidentemente no que tinha de menos revolucionário)
por parte do cidadanismo. É o que se chama a arte de aproveitar os restos. Mais
adiante voltaremos a este ponto.
O desaparecimento da consciência de classe e do seu projeto histórico,
tornados caducos após o estilhaçamento e o parcelamento do trabalho, após o
desaparecimento progressivo da grande fábrica “comunitária” assim como a
precarização laboral (tudo isto resultado não de um complô que amordaça o
proletariado mas do processo de acumulação de capital que conduziu à atual
globalização) deixaram o proletariado afônico. Este chega, inclusivamente, a
duvidar da sua própria existência, dúvida que foi atiçada por grande número de
intelectuais e pelo que Debord definiu como o “espetáculo integrado”, que não é
mais do que a integração no espetáculo.
Perante esta ausência de perspectivas, a luta de classes apenas podia
encerrar-se em lutas defensivas, às vezes muito violentas, como no caso da
Inglaterra. Mas esta energia era sobretudo a energia do desespero. Também se
pode salientar que esta perda de perspectivas se manifestou com frequência nas
pessoas que viveram os anos 60-70, por um desespero pessoal muito real, levado
às vezes até às suas últimas consequências, o suicídio ou o terrorismo.
O cidadanismo inscreve-se, pois, neste marco: enterrada a revolução,
quando já nenhuma força se sentia capaz de empreender a transformação radical
do mundo e uma vez que a exploração seguia o seu curso, era necessário que
alguma forma de contestação se expressasse. Esta foi o cidadanismo.
O seu ato oficial de nascimento pode situar-se no decurso da agitação de
Dezembro de 1995 (em França). Este movimento, que nasceu sobre a base real da
oposição à privatização do setor público e à degradação das condições de
trabalho que se seguiu e à perda do próprio sentido do trabalho apenas podia
manifestar-se, nesta situação, como defesa do setor público e não como
questionar da lógica capitalista em geral, tal como se manifesta no serviço
público. A defesa do dito setor implica, logicamente, que se considere que este
está ou deveria estar fora da lógica capitalista. Não foi uma boa crítica que
se fez a este movimento quando se lhe reprovou o fato de ser um movimento de
privilegiados, ou simplesmente de egoístas com interesses meramente
corporativos. Mas pode-se constatar que inclusivamente as ações mais generosas
ou radicais deste movimento continham os mesmos limites. Abastecer
gratuitamente todas as casas de eletricidade é uma coisa, refletir sobre a
produção e o uso da energia é outra. Pode ver-se nestas ações que o Estado é
concebido como uma comunidade parasitada pelo capital, capital que se interpõe
entre os cidadãos-utentes e o Estado. O cidadanismo não diz outra coisa.
Podemos ver que o cidadanismo não poderia recuperar um movimento que
fosse mais radical. Por agora, tal movimento simplesmente não existe. O
cidadanismo desenvolve-se como ideologia produzida necessariamente por uma
sociedade que não concebe perspectivas de superação.
Também podemos salientar que o movimento de 1995, data de nascimento do
cidadanismo, foi um fracasso até mesmo nos seus limitados objetivos básicos. A
privatização do setor público continua a seguir de vento em popa e tal setor
pode, inclusivamente, situar-se na vanguarda da ideologia do privado enquanto
empresa participativa com implicações na gestão etc. Neste há despedimentos
maciços, gera-se cada vez maior precariedade laboral- o chamado
“trabalho-jovem”, suprimem-se postos de trabalho e sobrecarregam-se aqueles que
restam. Também o setor público está em primeira linha no que respeita à
aplicação da lei das 35 horas, quer dizer, à flexibilização. Uma vez mais, se
tal for necessário, podemos ver que a lógica do Estado e a do capital não se
opõem em absoluto, o que constitui uma das limitações internas do cidadanismo.
III- A relação com o Estado, o reformismo e o Keynesianismo
A relação do cidadanismo com o Estado é tanto de oposição como de apoio,
de apoio crítico, digamos. Pode opor-se ao Estado, mas não pode prescindir da
legitimidade que lhe oferece. Os movimentos cidadanistas devem converter-se
rapidamente em interlocutores e, para isto, por vezes devem empreender ações
“radicais”, ou seja, ilegais ou espetaculares. Trata-se tanto de se colocar na
posição de vítima, de apanhar o Estado em falta (isto é, de opor o Estado ideal
ao Estado real) e de chegar o mais rapidamente possível à mesa de negociações.
A chegada dos CRS (Corpos de Segurança Republicanos, antidistúrbios) veio
confirmar que os cidadãos foram ouvidos. Naturalmente, tudo isto deve acontecer
sob o olhar das câmaras. Aqui a repressão é a precursora dos movimentos
cidadanistas: o confronto já não é, como noutros tempos, o momento em que se
mede a relação de forças, mas consiste sim numa legitimação simbólica. Daí, por
exemplo, o mal entendido entre René Riesel (ex-membro da Internacional
Situacionista) e alguns outros da Confédération Paysanne (confederação
camponesa) que pretendiam criar esta relação de forças e José Bové (e
manifestamente a maior parte da Confédération), que
através de uma ação espetacular pretendiam fazer do seu movimento um
interlocutor com o Estado, o que de fato obtiveram parcialmente.
O próprio Estado aceita de boa vontade estas práticas e qualquer pessoa
pode hoje fazer uma pequena manifestação, por exemplo, bloquear a periferia e
ser recebido oficialmente logo a seguir para expor as suas reivindicações. Os
cidadanistas indignam-se com este estado de coisas que contribuíram para criar,
pensando que, ainda assim, não se deve “incomodar o Estado por ninharias”. Os
interlocutores privilegiados veem com maus olhos os parasitas e demais aves de
rapina da democracia.
Deste modo, algumas práticas cidadanistas são promovidas diretamente
pelo Estado, como o demonstram as “conferências cidadãs” ou os “debates de
cidadãos” com os quais o Estado pretende “dar a palavra aos cidadãos”. É
interessante ver até que ponto este movimento se conforma com qualquer
sucedâneo de diálogo, e está disposto a ceder em qualquer coisa desde que o
escutem e que os especialistas tenham “atendido às suas inquietudes”. O Estado
joga, aqui, o papel de mediador entre a “sociedade civil” e as instâncias
económicas, do mesmo modo que os cidadãos farão de intermediários entre o
programa do Estado (que não é mais do que a cadeia de transmissão da dinâmica
do capital) revisto de forma crítica e a “sociedade civil”. Isto pôde ver-se
com a lei das 35 horas. Os cidadanistas jogam aqui o papel outorgado
anteriormente aos sindicatos no mundo do trabalho para tudo o que se denomina
“problemas da sociedade”. A amplitude da mistificação mostra também a amplitude
do campo da contestação possível, que se estendeu a todos os aspectos da
sociedade.
Na sua relação com o Estado, os cidadanistas – pelo menos em França-
começam a adoecer em consequência da sua vitória. Cada vez mais o movimento se
cinde e se recompõe entre os que tendem a confiar no poder (à esquerda) e os
mais radicais, que querem continuar a luta. Mas o programa essencial ficou
delineado. Quando a esquerda chegar ao poder em quem mais poderiam votar? Fazem
falta mais verdes no governo, ou devem estes retirar-se do poder para exercerem
mais favoravelmente o seu papel de oposição? Mas para que serve um partido
político se não para entrar na arena democrática?
O cidadanismo é, pela sua própria constituição, incapaz de se concentrar
num partido, pelo menos nas sociedades democráticas que conhecemos. Seria
preciso uma ditadura ou uma democracia autoritária para que as aspirações da
pequena e da média burguesia entrassem em ressonância com uma contestação mais
ampla e lograssem organizar um partido democrático de oposição radical. Vimo-lo
em Belgrado ou na Venezuela com o nacional-populismo de Chávez. Nos locais onde
já existe democracia, pelo contrário, os partidos que representam as aspirações
desta pequena e média burguesia já existem e é precisamente neste sistema de
partidos, que grande parte dos cidadanistas já não se fia. Nos países mais
desenvolvidos o cidadanismo concentra-se essencialmente em redor de um desejo
de democracia mais direta, “participativa”, de uma democracia de “cidadãos”.
Naturalmente não propõem nenhum modo de o conseguir e este desejo de democracia
direta acaba, como sempre, diante das urnas ou na abstenção impotente.
Deste ponto de vista, os Verdes oferecem um espetáculo interessante uma
vez que manifestam este limite do cidadanismo. Surgidos dos movimentos
ecologistas dos anos 70, conseguiram manter-se à tona durante os anos 80. Mas
continuam a basear-se no velho modelo de partido, uma forma hierarquizada que é
oposta à natureza nebulosa das forças vivas do cidadanismo. Devido à sua
própria natureza corriam assim o risco de se encontrarem confrontados com a
experiência real do poder, que foi o que acabou por suceder. De fato, este é o
único risco político que correm os “reformistas”, o de governar. Militar neste
quadro nem sempre está isento de consequências, como os Verdes puderam
comprovar à sua própria custa.
O que permite contornar o risco é o “lobbying”. Os
lobbies nunca exercem o poder de forma direta. Por isso não se lhes pode
imputar os “fracassos” do Estado. O militantismo do “lobbying” não tem fim, em
todos os sentidos do termo. Há aqui algo enormemente satisfatório para as
pessoas que desejem compromissos sem correr demasiados riscos políticos.
Num lobby todos se encontram “entre os seus”, não é
preciso procurar uma base social como ocorre com os partidos clássicos usando
meios mais ou menos demagógicos. Todos podem com toda a tranquilidade
mostrar-se “radicais”. Podem fazer tranquilamente de conselheiro crítico do
Príncipe sem ter de enfrentar as dificuldades de governar. Podem lamentar
eternamente a falta de “vontade política” em matéria nuclear, de imigração ou
de saúde pública sem necessidade de considerarem minimamente o que um Estado
pode efetivamente fazer no contexto capitalista.
Um dos exemplos mais delirantes disto é a inenarrável associação ATTAC.
É mais do que sabido que a própria ideia de taxação das transações bolsistas
faz o economista mais estúpido contorcer-se a rir. Torna-se evidente que a
aplicação num só Estado desta transação o mergulharia numa profunda crise e que
é visivelmente impossível a aplicação mundial desta medida. Salta à vista que
inclusivamente no caso de uma organização como a OMC, tomada de um
arrebatamento de loucura, preconizar esta medida, a recusa mundial seria tal
que não lhe restaria mais remédio do que voltar a metê-la na gaveta. E para
levar isto ao absurdo, se tal medida fosse aplicada seguir-se-ia
automaticamente um aumento mundial da exploração, para corrigir as perdas.
Nada disto impede os economistas da ATTAC de apregoarem o assunto com
gráficos e curvas, perante a indiferença divertida dos que exercem o poder.
Estão dispostos a recebê-los de vez em quando para se rirem um bocado e
sobretudo para mostrar até que ponto o Estado se mostra atento a todas as
propostas que os cidadãos estejam dispostos a fazer. De todas as formas, há que
conceder à ATTAC o mérito de ter introduzido numa disciplina tão sinistra como
a economia esse elemento cómico de que ela carecia.
Vemos aqui que a sua impotência não é ainda um problema para o
cidadanismo. Quase ninguém pensa em julgá-lo a partir dos seus resultados, uma
vez que a urgência em obter resultados ainda se não fez sentir. Quando isso
começar a fazer-se em grande escala, sem dúvida que já não lhe restará muito
tempo.
Chegados a este ponto não podemos deixar de evocar a questão do
“reformismo” cidadanista. Sabemos que os cidadanistas assumem de boa vontade
este qualificativo. Percebe-se que querem, através do emprego deste termo,
sugerir que são mais pragmáticos e mais realistas do que os malditos idealistas
revolucionários. E efetivamente, podemos ver até onde chega o seu pragmatismo e
o seu realismo com uma associação como a ATTAC.
De qualquer forma nós, pobres revolucionários, compensamos a nossa falta
de pragmatismo com o mau hábito de julgar muito as coisas recorrendo à
história, isto é, ao que realmente se produziu até agora. E somos forçados a
constatar que o reformismo surge sempre nos momentos de crise do capitalismo. A
Frente Popular, por exemplo, era reformista. Num momento em que a insurreição
operária era generalizada, em que as fábricas estavam ocupadas, entre outras
respostas, a Frente Popular dava férias pagas aos operários e às operárias,
coisa que jamais tinha sido reivindicada. Keynes também era reformista, e a
crise de 1929 teve algo a ver com isto. Contudo, atualmente não há greves
insurreccionais, nem crises de investimento, nem baixas significativas do
consumo. Inclusivamente a recente e relativa subida das taxas de juro, após uma
década de descida contínua e o muito previsível “debacle” dos
“valores tecnológicos”, são percebidos mais como uma consolidação dos mercados
do que como um risco de crise. Não há atualmente nenhuma crise real do capital.
Não deveria, pois, haver reformistas.
Por outro lado, todas as reformas empreendidas no capitalismo apenas
tiveram como objetivo salvar o próprio capitalismo. Não há reformas
anticapitalistas. Keynes não escondia que era um liberal, nem que queria salvar
o sistema liberal posto em perigo pela crise de 1929.
Deveremos deter-nos aqui um instante sobre Keynes, apresentado pelo
cidadanismo como o economista dos milagres, remédio para todos os nossos males.
Antes de tudo, deve dizer-se que Keynes conhecia muito bem o capitalismo da sua
época, uma vez que havia amealhado uma fortuna pessoal de 500.000 dólares
dedicando unicamente uma hora e meia por dia a transações internacionais em
divisas e bens, no tempo em que trabalhava para o governo inglês. Percebe-se
que o Crack de 1929 não o tenha deixado indiferente.
O Crack de 1929 marca a entrada do capitalismo no
seu período moderno. É o resultado da formidável expansão do século XIX, que
parecia não ter limites, especialmente na América. O sonho americano chegava ao
seu ponto cimeiro e ia acabar num pesadelo. Este sonho repousava sobre o
espírito de iniciativa, na audácia empresarial dos herdeiros dos conquistadores
do Oeste, mas foi abatido
pela realidade do capitalismo, onde os investimentos não se fazem por gosto
pelo risco ou por espírito de iniciativa, mas para obter lucros.
Tendo alcançado a sua maturidade, o capitalismo começava a estagnar e a
perceber que o crescimento indefinido não era algo adquirido como se de uma lei
natural se tratasse. Os investimentos diminuíam, ou melhor, atingiam o
descalabro. As teorias económicas clássicas postulavam que enquanto houvesse
procura sempre haveria oferta, negligenciando o fato de que as empresas não
produzem para fornecer bens, mas para extrair a mais valia dessa produção. Foi
neste contexto que Keynes interveio. O que era realmente necessário era o
investimento, a saber, criar mercados, inventar novos produtos, entrar no mundo
do consumo de massa. No contexto da crise, o Estado devia encarregar-se do
esforço inicial, quer dizer: voltar a pôr, na medida do possível, as pessoas a
trabalhar, estabelecer uma política monetária inflacionista e criar infraestruturas
como base sobre a qual o capital privado pudesse reinvestir. Quem fabricará
automóveis, disse Keynes, se não há estradas suficientes?
De fato, o presidente Roosevelt já tinha começado a pôr em prática esta
política sem o precioso apoio técnico que Keynes lhe traria mais tarde. Também
não devemos esquecer que a crise de 1929 tinha trazido milhões de desempregados
para a rua nem que as “vinhas da ira” começavam perigosamente a amadurecer.
Vemos, em todo o caso, que o keynesianismo é essencialmente liberal.
Considera simplesmente que o liberalismo não se pode regular por si mesmo, que
o simples jogo da oferta e da procura não é o motor que permita ao capital
crescer indefinidamente e que é, assim, ao Estado que compete reconstruir as
condições de crescimento para dar lugar posteriormente aos investidores
privados. Em 1934 Keynes escreve numa carta ao New York Times: “Vejo o problema
da recuperação económica da seguinte forma: Quanto tempo necessitarão as
empresas normais para acudirem na ajuda à economia? A que escala, por que meios
e durante quanto tempo os custos anormais do governo devem prosseguir, à
espera da dita recuperação?” Pusemos anormais em itálico. Vê-se claramente que
a ideia de Keynes não era de forma nenhuma a de um controle permanente e
contínuo do capital privado pelo Estado ou por diversas instâncias
internacionais. Keynes não era socialista.
De fato, estava tão longe do socialismo que em 1931 escreveu, com
referência ao comunismo: “Como poderia adoptar uma doutrina que, preferindo o
pão aos bolos, glorifica o proletariado fedorento em detrimento da burguesia e
da “intelligentsia”, que apesar de todos os seus defeitos
são a quintessência da humanidade e estão certamente por detrás de toda a obra
humana?”. É verdade que a burguesia era, na altura, bem diferente daquilo em
que se transformou e que ainda não sentia a necessidade de se lamentar, como o
faz Viviane Forrester, sobre aquilo a que se convencionou chamar “o horror
económico”.
Para terminar é necessário assinalar que as teorias de Keynes tinham os
seus limites e que o capitalismo tem outros métodos para “relançar o
investimento”. Dez anos após a crise de 1929, começava a guerra que iria
devastar o mundo, dar uma chicotada inesperada ao progresso tecnológico e fazer
entrar o mundo industrializado nos felizes anos do consumo de massas. De fato,
o próprio Keynes deu a sua contribuição para este “relançamento do
investimento” escrevendo um opúsculo intitulado Como financiar a guerra.
Os cidadanistas pretendem criticar o liberalismo valendo-se de Keynes.
Uma vez que também nunca pretenderam ser anticapitalistas deduz-se daqui que,
se são contra o liberalismo sem deixar de ser pro capitalistas, estão a favor
do que se chamou noutros tempos “socialismo”, quer dizer, capitalismo de
Estado. Assim entende-se melhor a presença dos trotskistas nas suas fileiras.
Mas, logicamente, também se defendem disto. É realmente complicado saber
afinal, aquilo que querem.
Afirmamos que atualmente não há nenhuma crise capitalista e eles,
naturalmente, afirmam o contrário. De fato, é necessário que haja uma crise
para que sejam necessários. A crise é o elemento natural do reformismo.
Pensavam que iam encontrar uma no sudeste asiático, mas esta crise era antes a
prova de que o capitalismo aprendeu bem as lições de Keynes e que já não
acredita que o liberalismo se possa regular sozinho. Tanto mais que a crise
asiática foi rapidamente sufocada, inclusive com algumas “consequências
sociais”. Mas o
capitalismo não se incomoda com as “consequências sociais”, desde que não seja
posto radicalmente em questão. Não haverá mais keynesianismo social nem
mais Trinta Anos Gloriosos. Isso também ficou para trás.
Se os cidadanistas podem falar de crise é porque o Estado falou primeiro
dela. De há trinta anos para cá diz-se que a França está em crise. Esta
“crise”, real no seu início, logo se tornou numa forma de justificar a
exploração. Hoje em dia, é a “retoma” que joga este papel e os reformistas
estão bem irritados. Ela obriga-os a reajustarem o seu discurso, sempre
decalcado do Estado, e aqueles que nos falavam de uma crise mundial
generalizada falam-nos, hoje, de “repartir os frutos do crescimento”. Onde está
a coerência?
Onde estão, então, esses
keynesianos antiliberais, esses reformistas sem reforma, esses estatistas que
não podem participar no Estado, esses cidadanistas?
A resposta é simples: estão
num beco sem saída, num impasse.
Pode parecer descabido afirmar que um movimento que ocupa tão
manifestamente todos os âmbitos da contestação possa encontrar-se num impasse.
Alguns verão nisto uma afirmação gratuita, ditada por não se sabe bem
que ressentimento. Contudo evocámos mais acima a decomposição e o
desaparecimento de um movimento muito mais velho e dotado de uma base social
infinitamente mais ampla e combativa, sem ter adoptado para isto nenhuma
precaução oratória particular, tão evidente nos parece hoje este
desaparecimento. Da mesma forma pensamos que outro movimento social é
possível, sobre bases até agora inéditas.
IV. Cidadanismo e cidadãos.
Quando Ignacio Ramonet fala de desobediência “cívica” e não de
desobediência “civil” marca uma diferença, reveladora, que mostra a
relação que existe entre o cidadanismo e a sua própria base. A palavra “civil”
refere-se de forma objetiva e neutra ao cidadão de um Estado que não escolheu
nascer nele. O termo “cívico” define o que corresponde a um bom cidadão, ou
seja, àquela pessoa que demonstra ativamente que faz parte desse Estado. Como
se pode comprovar, a diferença é essencialmente de caráter moral.
De fato, uma das forças do cidadanismo reside nesse caráter
essencialmente moral, para não dizer moralizador. Passa facilmente da denúncia
da “crise” para a proposta de “repartir os frutos do crescimento” sem ter em
conta os fatos e sem realizar nenhuma análise. O que conta é ter a posição mais
“cívica” possível, ou seja, a mais generosa, a mais moral. E, claro, toda a
gente se posiciona pela paz, contra a guerra, contra a “alimentação que
prejudica a saúde”, pela “comida saudável”, contra a miséria, pela riqueza.
Resumindo, mais vale ser rico e gozar de boa saúde em tempos de paz do que ser
pobre e estar doente em tempos de guerra.
Num mundo que se situa energicamente, um século depois de Nietzsche,
para além do bem e do mal, o que mais se vende é a moral. Mas essa necessidade
de consolo é impossível de satisfazer.
Podemos ver, por exemplo, o mal-estar que causou entre as fileiras dos
cidadanistas o penoso assunto de Givers. Esta revolta teve a particularidade de
ser ao mesmo tempo um ressurgimento arcaico da agitação operária e a
manifestação de um desespero muito próprio dos tempos de hoje. Um cidadanista
perguntava-se a partir das páginas do jornal “Le Monde”, durante o
motim, se a ação dos operários da CELLATEX podia ser qualificada de “ação
cidadã”. Podemos responder: com uma navalha ao pescoço, totalmente perdidos, os
operários assalariados de Givers não dispunham do otimismo nem da inquietude
bem pensante própria dos leitores do “Le Monde Diplomatique”, não são cidadãos
e não atuaram enquanto tal. A impotência que manifestaram os cidadanistas para
atuar em tais circunstâncias, demonstra claramente que tipo de reação poderiam
ter noutras circunstâncias, a uma escala maior. Naturalmente não tardariam em
apelar à repressão “dos maus cidadãos” em nome da democracia, do Estado de
Direito e da moral. Com efeito, o discurso do cidadanista no “Le Monde” não se
encaminhava para outro lado, uma vez que pretendia com o seu questionamento
insidioso (totalmente objetivo, claro) cortar pela base qualquer simpatia que
pudesse surgir e chamar à razão os cidadãos para prepararem a possível
repressão (que não teve lugar, naturalmente, já que na situação atual os
trabalhadores não tinham outra opção a não ser negociar). De qualquer maneira,
é interessante ver como nesta mini crise um cidadanista se apressa a propor os
seus serviços de mediador ao Estado. O cidadanismo é potencialmente um
movimento contrarrevolucionário.
O exemplo mostra também que o cidadanismo é incapaz de reagir em
presença de movimentos que não tenham sido criados por ele mesmo.
Por outro lado, é importante destacar que a base social do cidadanismo é
muito mais ampla e difusa do que a formada por militantes de associações e de
sindicatos.
O cidadanismo reflete as
preocupações de uma determinada classe média culta e de uma pequena burguesia
que viu desaparecer os seus privilégios e a sua influência política na altura
que desaparecia a antiga classe operária. A reestruturação mundial do
capitalismo provocou a queda do velho capital nacional, e por conseguinte, a da
burguesia que o possuía e das classes médias que esta empregava. A antiga
sociedade burguesa do século XIX, cheirando ainda ao Ancien Régime (Antigo
Regime) desapareceu por completo. A consolidação do Estado e a crítica da
globalização atuam como nostalgia desse velho capital nacional e dessa
sociedade burguesa, assim como a crítica das multinacionais não é senão a
expressão da nostalgia dos negócios familiares. Uma vez mais lamentam-se de um
mundo que se perdeu.
Mediante o cidadanismo, as classes médias deserdadas reconstroem a sua
identidade de classe perdida. De modo que um local “bio” pode apresentar-se
como “um escaparate dos estilos de vida e do pensamento cidadão”. Cuidado!
Fiquem sabendo que as pessoas que não comem “bio” não são “cidadãos”. Um jovem
cidadanista pode, então, chegar a simplificar rapidamente as suas dúvidas sobre
o proletariado: “que se pode esperar deles? Vão fazer compras ao Minipreço”.
Os cidadanistas não poderão, sobre as bases que ocupam atualmente,
recuperar movimentos sociais mais radicais, uma vez que deles se encontram
visceralmente separados. Chegado o momento, apenas poderão oferecer ao Estado
que defendem, uma garantia moral para a repressão. As pseudo-soluções que
propõem perante uma situação de crise real aparecerão como o que realmente são,
um meio para preservar a ordem existente. Quando importantes grupos de pessoas
começarem a procurar respostas para as suas situações concretas, as oposições
abstratas e sem fim entre Estado e Capital, “verdadeira” democracia e
democracia que vivemos ou “economia solidária” e liberalismo serão
insuficientes. Um movimento que surja de uma grande crise, quer dizer, do
questionamento das próprias condições de existência, não aguentará estes jogos
por muito tempo.
No entanto, os cidadanistas, já que estão lá, poderão ocupar durante um
tempo o lugar da revolta, a qual poderia também tomar a forma de um
nacionalismo exacerbado, nacionalismo que eles próprios terão alimentado e desenvolvido
(atualmente já existem as premissas, por exemplo, a posição antiamericanista
desenvolvida por José Bové e muitos outros). Não obstante, a crítica do capital
globalizado, não tem face a ela a alternativa de voltar ao capital nacional,
defendido pelo Estado. Se esta alternativa muito improvável entrasse em jogo, o
mais provável é que se desencadeasse uma guerra.
Como podemos ver, nada garante que o próximo movimento social seja
revolucionário. Em todo o caso, contribuirá para desmascarar definitivamente o
cidadanismo, e pode ser que abra uma nova via para retomar o muito velho projeto
de transformar o mundo, para além do Estado e do Capital.
V. Cidadanismo e revolução.
Todo o velho movimento revolucionário se baseava em que os operários
tomassem as rédeas do modo de produção capitalista, do qual se sentiam
virtualmente donos, devido ao lugar efetivo que ocupavam na produção. A
automatização e a precarização dos anos 70 pulverizaram este lugar efetivo, que
correspondia a uma verdadeira relação entre o proletariado e a produção. Alguns
radicais, como os da Encyclopédie des Nuisances ou
Jacques Camatte (de Invariance) sentiram
ou teorizaram a dita transformação. Contudo, não podiam sair da antiga
concepção de revolução sem abandonar a própria revolução, e de fato, foi isso
que aconteceu.
A Internacional Situacionista preconizava, apenas, que se “empregassem
melhor as forças produtivas” para criar situações, pela via dos conselhos
operários. Não viram (mas como poderiam vê-lo naquele momento?) que o modo de
produção capitalista era capitalista e que a automatização que preconizavam não
era um meio para libertar tempo e “viver sem tempos mortos e desfrutar sem
entraves”, mas sim, apenas um modo de extrair lucro para o capital. E após a “contrarrevolução”
dos anos 70-80 simplesmente identificaram esta mesma produção, que os operários
não puderam tomar, como a fonte de todos os problemas.
Em lugar de perceber o desaparecimento do velho movimento operário como
uma nova condição de um movimento revolucionário nascente, e sobretudo como uma
oportunidade para esse movimento, viveram-no como uma catástrofe. De fato, foi
uma grande catástrofe para esse velho movimento operário, a sua certidão de
óbito. A grande maioria da geração posterior aos movimentos de 68 perdeu-se no
vazio ocasionado por essa derrota. E não pretendemos, de todo, reprovar lhe
isto, já que nem num dia nem em vinte anos se pode esquecer uma concepção
vigente durante um século.
Hoje em dia, pode começar a fazer-se um balanço. Desde 1995, temos tido
o duvidoso privilégio de poder observar como se reconstruía uma ideologia sobre
as ruínas da revolução. Temos podido identificar rapidamente os novos aspectos
da dita ideologia, mas demorámos muito mais tempo a perceber o seu aspecto
arcaico, isto é, quão determinada estava pela história.
Anteriormente comentamos que o cidadanismo acomodava os restos do velho
movimento revolucionário. O cidadanismo quer ser hoje “reformista” porque no fundo
o velho movimento revolucionário não constituía uma superação do capitalismo,
mas apenas a sua gestão por parte da “classe ascendente”, que se julgava que
fosse o proletariado. A “gestão operária” do capital converteu-se simplesmente
em “repartição da riqueza” ou “taxação do capital”, com a produção
desaparecendo atrás do lucro, do capital financeiro e do dinheiro. Um slogan
francês proclama “De l’argent, il y en a, dans les poches du
patronat” (o dinheiro está, é nos bolsos dos patrões). É verdade,
mas em nome de quê deveria esse dinheiro chegar aos bolsos dos proletários,
perdão, dos “cidadãos?”.
O velho movimento operário, já que não pôde levar à realização da
comunidade humana reduz-se, de forma obscena e reveladora, a conseguir parte
dos lucros capitalistas (embora seja importante comentar que se “só” se pede
dinheiro ao capitalismo é porque sabemos que não podemos esperar nada mais). É
sem dúvida motivo suficiente para desalentar um velho revolucionário, um
daqueles que achava que podia construir um mundo melhor. Mas se a crença de que
se podia construir esse mundo mediante a gestão operária do capital já era uma
ilusão, também o é acreditar que se pode obrigar o capitalismo a partilhar os
seus lucros para máximo contentamento de todos os “cidadãos”, isto se
supusermos que o seu dinheiro pode dar-nos felicidade. O cidadanismo aborda o
centro de uma ilusão de um século, e essa ilusão de fato já morta nos fatos,
está a ponto de ser destruída.
“É tudo nosso, nada é deles”, proclamavam obstinados os manifestantes.
Contudo o capital, essa massa de dinheiro que apenas pretende acumular-se
mediante a dominação da atividade humana e, por conseguinte, mediante a
transformação da dita atividade segundo as suas próprias regras, criou um mundo
no qual “tudo é dele, nada é nosso”. E não se trata unicamente da propriedade
privada dos meios de produção, mas também da sua natureza e dos seus objetivos.
O capital não se limitou a
apropriar-se de tudo o que era necessário para a sobrevivência da humanidade, o
que constituiu o primeiro passo da sua dominação, mas transformou tudo isto,
graças à industrialização e à tecnologia, de forma que, atualmente, quase nada
se produz para ser consumido mas apenas para ser vendido. Produzir para satisfazer as
nossas necessidades não pode vir do capitalismo. Não resta praticamente nada da
atividade humana pré-capitalista. O mundo converteu-se realmente numa
mercadoria.
O capital não é uma força neutra que “orientada” convenientemente possa
engendrar a felicidade da humanidade da mesma maneira que provoca a sua
perdição. Não pode “descontaminar da mesma maneira que contamina”, como
pretendia um cidadanista ecologista, uma vez que o seu próprio movimento o
conduz inelutavelmente a contaminar e destruir, ou seja, o movimento de acumulação
e de produzir para a acumulação passa por cima de qualquer ideia de
“necessidade”, assim como da necessidade vital que é para a humanidade,
preservar o seu meio ambiente. O capital apenas obedece aos seus próprios fins,
não pode ser um projeto humano. Não existe outra “globalização”. Diante dele
não estão as necessidades da humanidade, mas sim a necessidade da acumulação.
Se, por exemplo, se dedica a reciclar, o ramo que se criou para esse efeito
fará tudo o que for preciso para ter sempre coisas para reciclar. A reciclagem,
que não é mais do que outra forma de produzir matérias-primas, cria sempre mais
resíduos “recicláveis”. Além disso, contamina tanto como qualquer outra atividade
industrial.
Para evitar confusões é importante esclarecer que não partilhamos a
ideia um tanto paranoica que certos “radicais” difundem, segundo a qual o
capital contaminaria para criar um mercado da descontaminação, ou que todo o
dano causado pelo capitalismo engendraria mercados para regular esses mesmos
danos, como faria um “bombeiro incendiário”. Não são poucos os danos que
existem e que ninguém quer reparar simplesmente porque a sua reparação não
constitui nenhum mercado. A prova disto é que a maioria das vezes os Estados
devem assumir sozinhos os custos das descontaminações, o que pode conduzir a
uma situação de conflito entre os Estados e as empresas, conflito que se torna
visível no debate “quem contamina paga”. A verdadeira quadratura do círculo que
o “capitalismo ecológico” deve resolver e o que realmente está em jogo nas
“regulamentações ecológicas” é evitar os estragos e sobretudo os gastos, sem
com isso afugentar os investidores.
Nunca se trata de não contaminar, mas sim de saber quem deve pagar
quando a contaminação é demasiado catastrófica e visível. O suposto “mercado da
descontaminação”, contrariamente ao da reciclagem, não existe realmente, já que
o único benefício que se pode conseguir é o de se conformar com determinadas
regulamentações e não supõe nada mais do que um encargo para as empresas,
encargo que lhes convém limitar o máximo possível. Ninguém quer despoluir, como
se pôde comprovar recentemente na Conferência de Haia.
Poderíamos desenvolver ainda mais este tema, mas ultrapassaríamos as
intenções deste texto. De qualquer forma fica claro que não se pode planear uma
gestão “humana” da produção capitalista e ainda menos seguir com a dita
produção tal como se encontra. Tudo está por reconstruir. A revolução será
também o momento do “grande desmantelamento” e da recuperação sobre bases
inéditas da atividade humana, atualmente quase dominada por completo pelo
capital.
O velho movimento revolucionário manifestava o vínculo que unia
capitalismo e proletariado. Até mesmo o mais explorado dos operários podia
sentir-se depositário, através do seu trabalho, de um mundo futuro no qual o
trabalho dominaria o capital. O Partido era ao mesmo tempo uma família e o
gérmen de um estado operário, pelo que todos os chefes sindicais se podiam
sentir vinculados à comunidade operária do presente e do futuro. As transformações
do modo de produção capitalista dos últimos vinte anos pulverizaram tudo isto ,
generalizando a separação dos indivíduos.
No transcurso da sua expansão o capitalismo teve de destruir as antigas
comunidades de origem camponesas para criar a classe operária de que
necessitava. E logo depois de a ter criado deve destruí-la outra vez, e fica
com o problema de integrar milhões de indivíduos no seu mundo.
Os cidadanistas propõem uma resposta irrisória quando tentam reconstruir
o vínculo que unia antigamente a “classe operária” mediante outro, que uniria
os cidadãos, ou seja, o Estado. A vontade de reconstituir o dito vínculo
através do Estado manifesta-se no nacionalismo latente dos cidadanistas.
Substitui-se o capital abstrato e sem rosto por figuras nacionais, pelo bigode
de José Bové ou pela reabilitação do hino czarista na Rússia (claro que neste
caso não se trata de cidadanismo, mas da manifestação de um nacionalismo muito
mais geral e igualmente sem nenhuma saída). Mas o Estado só pode propor
símbolos e sucedâneos a esses vínculos, uma vez que ele está saturado de
capital, por assim dizer, e apenas pode agitar os seus símbolos no sentido que
lhe dita a lógica capitalista à qual pertence.
Propor o “cidadão” como
vínculo manifesta a existência de um vazio, ou melhor, é o mesmo que dizer que
incumbe agora ao capitalismo, e unicamente a ele, a tarefa de integrar esses
milhares de milhões de pessoas que se encontram privadas de comunidade. E devemos
constatar que, bem ou mal, até agora o tem conseguido.
O próprio trabalho, que constitui sempre a principal força de integração
do capital, percebe-se cada vez mais como uma obrigação exterior e já só serve
de um modo muito marginal para esboçar a identidade de indivíduos cada vez mais
perdidos na massa e com cada vez mais falta de identidade própria. No momento
em que as profissões desaparecem e se veem substituídas por funções que não
requerem nenhuma competência particular, esta situação não é nada
surpreendente. O “mundo do trabalho” também se converteu no mundo da
incompetência. Algumas pessoas entendem esta dinâmica de desqualificação como
algo decadente (e a dinâmica da integração mediante o capital cria os seus
próprios “bárbaros” internos), mas também implica uma desmoralização do
trabalho considerado por toda a gente como algo vazio de sentido, puramente
arbitrário, uma obrigação exterior, uma exploração. A moral do trabalho que
partilhavam antigamente burguesia e proletariado está-se a diluir no movimento
da integração capitalista.
A integração capitalista (problema central que teremos de enfrentar mais
à frente) percebe-se cada vez mais como algo artificial e, em todos os casos, é
muito problemática e conduz ao que se poderia chamar uma neurose de massa,
relacionada com o sentimento de se ter perdido todo o controle sobre a sua
própria vida. O próximo movimento revolucionário não poderá iludir esta
constatação já que essa impotência, que corresponde ao que se denominou noutro
tempo alienação, é parte integrante da nossa relação com o mundo capitalista.
VI- “Proletários do mundo, não tenho nenhum conselho para vos dar!”
Não vamos cair no ridículo de apresentar aqui o que deverá ser o próximo
movimento revolucionário. Ninguém pode afirmá-lo com certeza sem cair numa
ideologia de substituição. Ainda assim, podemos imaginar a partir do que já
existe aquilo que este movimento poderá ser, quer dizer, aquilo que na situação
presente é o gérmen de uma situação futura.
A globalização do capital e a dissolução dos capitais nacionais implicam
que se tratará de um movimento mundial, e não sob a forma caricatural de uma ação
contra a OMC ou a UNCTAD (conferência das nações unidas sobre comércio e
desenvolvimento) . Não se tratará de ir incendiar Frankfurt ou Bruxelas, mas de
atuar contra o capitalismo tal como se apresenta aqui onde nos encontramos,
porque aqui, onde nos encontramos, é onde se joga realmente a globalização. A
globalização do capital é, também, a globalização da luta, e quando se decide
em Nova Iorque o que se produz no México e se empacota em Pas-de-Calais (uma
região do norte de França), todo o ataque local tem repercussões globais.
A dissolução da consciência de classe e do velho movimento operário têm
também como consequência que cada um se encontra só na sua vida, frente à
exploração e à dominação, de forma simultânea. Já não há refúgio possível, nem
comunidade onde fechar-se. A identidade que cada um construía através do
trabalho tende a dissolver-se e a ser progressivamente substituída pela esfera
do privado, do grupo de amigos ou familiares, do ócio. Mas com a massificação
do ócio, a decomposição da família e a brutalidade das relações sociais, o
particular encontra-se constantemente reenviado para o geral. O homem moderno é
um homem público.
Nunca, no decurso de toda a história, as pessoas se viram obrigadas a
pensar-se de forma tão global, enquanto humanidade, à escala mundial. Isto é ao
mesmo tempo sofrimento (pelo que se entende facilmente que alguns possam
sentir-se atraídos para Zerzan (teórico neoprimitivista dos Estados Unidos) ou
Kaczinski (mais conhecido como “Unabomber”) entre
outras regressões) e é a condição da própria libertação. Os primitivistas
querem libertar-se da humanidade, regressar à harmonia primordial da comunidade
restrita e isolada. Mas tal regresso é impossível. Não há um “de fora” do
capitalismo.
Em 1860, Marx ainda podia escrever em O Capital : “Para reencontrar o
trabalho comum, quer dizer, a associação imediata, não temos necessidade de
remontar à sua forma natural primitiva, tal como nos aparece no limiar da
história de todos os povos civilizados. Temos um exemplo bem perto de nós na
indústria rústica e patriarcal duma família de camponeses que produz para
atender às suas próprias necessidades (…).”
Este “exemplo” desapareceu.
No entanto a atividade humana, ou quase toda, encontra-se regida pelo
capitalismo, o que leva alguns- Zerzan ou Kaczinsky, e muitos outros- a sentir
a falta dos “bons velhos tempos”, sejam primitivo-fusionais ou
patriarcal-artesanais. Mas nenhuma destas formas de organização social
conseguiu resistir ao capitalismo, pelo que nos parece muito difícil que possam
constituir o seu futuro, a menos que se postule uma natureza da humanidade cuja
manifestação seriam estas formas e também uma autodestruição do capitalismo
(quer dizer, do mundo) numa catástrofe após a qual, ditas formas poderiam com
toda a comodidade voltar a ocupar o seu lugar, momentaneamente usurpado. Mas
esta “autodestruição” do capitalismo seria, também, a nossa, pelo que devemos
planejar o futuro a partir do capitalismo, quer gostemos quer não.
Já vimos que a globalização dos indivíduos extravasa consideravelmente
os limites do trabalho assalariado. Cada um dos aspectos da vida está submetido
a esta globalização, com o que, cada um dos aspectos da vida terá que ser
transformado, unitariamente. Dito de uma forma mais simples, hoje não se pode
mudar nada sem mudar tudo. Esta será a principal condição da revolução
vindoura.
De forma muito concreta, cada problema que herdarmos do capitalismo
apenas poderá resolver-se à escala de uma sociedade inteira. Resíduos
nucleares, transportes, agricultura, tudo isto nos levará a decisões e modos de
organização que deverão ser tratados globalmente, fora da propriedade privada e
da divisão hierárquica do trabalho. E não se tratará apenas de trabalho.
O “mundo sem fronteiras” que o capitalismo criou para a mercadoria será
efetivamente um mundo sem fronteiras para a humanidade. Não haverá direitos
alfandegários.
Deixaremos para mais tarde a necessidade de desenvolver tudo o que isto
implica. Poderíamos também analisar o que poderiam ser as formas de organização
que as pessoas adoptariam, mas a enorme quantidade de problemas práticos que
podem chegar a pôr-se será tal que deverão pôr-se em prática necessariamente
soluções inéditas e sem dúvida marcadas com frequência pela urgência. A
iniciativa individual será, quiçá, nessa altura tão importante como o consenso,
sabendo nós que os dois são insubstituíveis. O debate permanece aberto e é
também com respeito a todas estas perguntas que devemos “saber esperar”.
VII- Conclusão provisória
Neste texto tentámos evocar os principais limites e debilidades do
cidadanismo. Não se trata somente de limites ou debilidades “teóricas”, mas sim
bastante reais e que lhe serão fatais a curto ou longo prazo.
Também não se trata de ficarmos sentados de braços cruzados, “esperando”
que o cidadanismo se afunde, dando magicamente lugar à revolução. Sem dúvida
que ainda restam muitos recursos a este movimento, ele é capaz de se adaptar a
novas condições. Mas precisámos, aqui, quais as condições às quais se não
saberá adaptar. De qualquer forma, não fizemos mais do que esboçar uma crítica
que outros prosseguirão.
Outra pergunta a que tratámos de responder é a que trata da maneira,
como se deve abordar a crítica. Com demasiada frequência, alguns
revolucionários criticam aqueles que consideram reformistas, com o único
pretexto de que não são revolucionários. Isso é apresentar o debate como se se
tratasse de um simples debate de opiniões, definitivamente iguais ou igualmente
vazias: palavras ocas frente à todo poderosa realidade objetiva do mundo. Ao
proceder assim pode-se defender qualquer coisa: preferir os índios de Zerzan
aos cowboys de Kaczynski, o Renascimento à sociedade
industrial, os proletários de boné aos jovens rappers que usam sapatilhas Nike.
O próximo movimento revolucionário também deverá falar a sua própria
língua. Provavelmente não se expressará nos termos que aqui se empregam, que
são os de uma certa tradição teórica. A linguagem teórica que empregamos é uma ferramenta para
compreender a revolução que há de vir, mas não é essa revolução.
Deveremos sair do emprego mágico-afetivo da linguagem, que é a linguagem
da alienação contemporânea, a linguagem dos que não têm nenhum poder prático
sobre o mundo e que não podem, por isso, fazer outra coisa além de o sonhar. Só
aqueles que não têm nenhum poder sobre o mundo podem dizer o que quer que seja
sem medo de serem desmentidos, já que sabem que o seu discurso carece de
consequências.
No mundo da integração capitalista, já não há nem verdade nem mentira:
só sensações efémeras. E devemos deixar de ter medo da verdade. Se ocorre com
frequência percebermos a vontade de dizer a verdade como uma dominação – um
“fascismo”, uma vontade de hegemonia do discurso – é porque no mundo capitalista
só os que dominam podem pretender dizer a verdade, já que são eles que a criam,
que detêm o monopólio da “palavra verdadeira”. Mas esta verdade é tão
manifestamente falsa e a nossa impotência na hora de a contestar tão
esmagadora, que acabamos por ficar enojados com qualquer tentativa de procurar
a verdade: por fim acabamos por duvidar da possibilidade de poder dizer
qualquer coisa certa, ou seja, na medida das nossas possibilidades, tornar o
mundo em que vivemos inteligível.
No arbitrário do espetáculo tudo é uma questão de “pontos de vista”.
Desde “o seu ponto de vista”, cada um pode ter razão ou não, e a indiferença
liberal em relação ao outro, manifesta-se no respeito por todas as “opiniões”.
O apelo “revolucionário” à subjetividade, resíduo do surrealismo e do
situacionismo vaneigemista (Raoul Vaneigem) é hoje mais reacionário do que
nunca, quando o próprio capitalismo apela à separação hedonista: “Sonhai, que
nós faremos o resto”. Devemos, pelo contrário, falar de novo uma linguagem
comum. Só poderemos
realmente construir a nossa subjetividade sendo capazes, junto a outros, de
captar a objetividade do mundo que partilhamos. Entender é dominar, logo poder
mudar o mundo. Começar a tratar de entender é restabelecer a comunicação
com o que nos rodeia, quebrar o gelo que nos separa.
Não criticámos os cidadanistas por não termos os mesmos gostos, os
mesmos valores ou a mesma subjetividade… Nem criticámos os cidadanistas
enquanto pessoas, mas sim o cidadanismo enquanto falsa consciência e enquanto
movimento reacionário, como se disse atrás, ou seja, como movimento que
contribui para asfixiar o que ainda apenas existe em gérmen. Fizemos uma
crítica do movimento histórico, ou pelo menos essa era a nossa intenção.
E tanto assim é, que não duvidamos que uma grande quantidade de pessoas,
enredadas nas contradições do cidadanismo, no seu louvável desejo de atuar
sobre o mundo, se unirão um dia aqueles que desejem transformá-lo realmente.
Não somos nem mais nem menos “radicais” do que o momento em que nos
encontramos.
Alain C.